AINDA A STASILÂNDIA E O BESOURO AMERICANO
Caros leitores (todos os seis), no último episódio, comentei o livro "Stasilândia" de Anna Funder (Companhia das Letras, coleção "Jornalismo Literários"). Pois vai mais um trecho. Anna conta que, logo depois da guerra, os alemães orientais, controlados pela União Soviética, iniciaram um processo de reeducação. Os nazistas converteram-se em comunistas e, a certa altura, a "história" foi recontada. Nazistas eram apenas aqueles que haviam ficado no Leste. No Oeste estavam os revolucionários.
Mas eis a surpresa. De certa forma, o regime comunista, já em 1946 e ainda sob o controle dos soviéticos, reproduzia a Alemanha Nazista. Diz Anna em trecho do livro: "os comunistas fundaram a Pioniere, uma organização juvenil destinada a instilar nas crianças o amor por Marx e pelo país. Para os mais velhos, já existia a Juventude Livre Alemã. Esse arranjo espelhava com exatidão as Pimpfe nazistas, no caso das crianças pequenas, e a Juventude Hitlerista, no tocante aos adolescentes. As pessoas brincavam, dizendo que a Juventude Livre Alemã e a Juventude Hitlerista eram tão parecidas que só a cor do lenço no pescoço as distinguia. Em ambas, havia reuniões, tochas, juramentos e, para os jovens de treze anos, uma cerimônia completa de 'crisma', com velas e fórmulas que mais pareciam orações."
Em 1948, os russos encheram-se de Berlim Ocidental, uma ilhota de imperialismo encravada no lado comunista, e decidiram que era hora de eliminá-los. De que maneira? Simples. Cercando-os. Vale lembrar que Berlim só era alcançada, do lado ocidental, através de uma ponte aérea. A capital da Alemanha capitalista era Bonn. Em 28 de janeiro, Stalin enviou ordens para que a usina de energia elétrica oriental que abastecia a cidade fosse desligada. Os 2 milhões de alemães ocidentais que morressem à míngua e no escuro.
Os aliados, então, traçaram um plano para socorrer Berlim Ocidental. De junho de 1948 a outubro de 1949, aviões americanos e britânicos fizeram 277.728 vôos, atravessando o espaço aéreo soviético para lançar sacos de alimentos, roupas, remédios, cigarros e equipamentos – incluindo-se aí, pasmem, os componentes necessários para a construção de uma nova usina.
Agora o episódio marxista, mas de tendência Groucho. No Ocidente, esses aviões ficaram conhecidos como Rosinenbomber (bombardeiros de uvas passas), uma referência aos alimentos que eram despejados pelos aviões. No lado comunista da Alemanha, a versão foi modificada. O que os inimigos jogavam eram besouros sobre a plantação da Alemanha Oriental, com o objetivo de arruinar as plantações. Daí nasceu a campanha "DETENHAM O BESOURO AMERICANO". Como, naquela época, o açúcar era escasso e o doce um luxo, as crianças foram incentivadas a ir para os campos em busca de besouros e larvas. Cada besouro valia dez centavos. As larvas, cinco centavos. Cem besouros valiam dez cupons de açúcar. Ou seja, as crianças passavam o tempo livre à cata dos "inimigos do comunismo". Assim o regime forjava um patriota. O problema é que as crianças cresceram, julgaram que o açúcar era pouco – em miúdos, recompensa de cavalos – e daí não houve comunismo que resolvesse. Deu no que deu.
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