segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O BEBÊ-DIABO E EU

Foi na década de 70. Pequeno, dei de cara com o “Notícias Populares” no varal da banca – era assim que lia-se jornal naquela época, ó internautas incautos. “Médico afirma: o Bebê-Diabo nasceu no ABC”. E não tinha nada a ver com greve de metalúrgico. Era o Tinhoso mesmo.
Antes, o filme “O Exorcista” lotara os cinemas. Minha mãe, acompanhada de meu pai e, se não me falha a memória, uma tia gorda que passava a temporada no quarto e sala em que nos entulhávamos, ficara horas na fila do Ipiranga para ver Linda Blair fazer xixi no tapete, vomitar verde e fazer fuc-fuc com a cruz. Em princípio disposta a enfrentar a turba, ela ficara macambúzia e sorumbática por motivo singelo. Afinal, não convencera meu pai a atravessar a rua até o Marabá, onde a jujuba era farta e a pipoca, amanteigada. Que diabo!
As filas ganharam espaço no Jornal Nacional, então apresentado por Cid Moreira, que ainda alisava o cabelo com “Trim”. Em casa, minha irmã religiosa acendera uma vela e rezara até o fim da sessão de cinema, por volta das 11 horas da noite. Já acomodado no alto do beliche, ouvi o barulho da chave, seguido de sussurros. Foi só. Nunca houve comentários sobre o filme. Por sorte, conseguimos uma cópia do livro de William Peter Blatty e passamos noites em claro, aterrorizados, imaginando que o esfrega-esfrega no andar de cima era o desgracildo fazendo seus ruídos de praxe antes de se introduzir em nossa casa sem pedir licença (as revistinhas do Carlos Zéfiro vieram depois). Na semana seguinte, estávamos todos matriculados na primeira comunhão do Colégio Samaritano Coração de Jesus. Pura precaução.
Quando o “Bebê de Rosemary”, de Polanski, foi lançado, instalou-se o pânico. Novamente meus pais seguiram para o cinema acompanhados, se não me falha a memória, de uma tia gorda que permanecia em temporada paulista. Foi então que o “Notícias Populares” oportunamente inventou o bebê-diabo nascido na Região Metropolitana de São Paulo e tratou de assombrar a minha infância já devidamente assombrada por mendigos cegos, estandartes da TFP, urutus blindados, soldados da Força Pública, vick vaporub, dentistas de escolas públicas e pelo homem do baú da felicidade, que substituíra o homem do saco.
O bebê-diabo revigorou nossos medos e encarnou outros tantos. Como a série foi longa, sempre decorada com montagens toscas do chifrudinho, guardei os jornais por longo tempo até que minha mãe resolvesse exorcizá-los. Não reclamei. Àquela altura, o NP já substituíra o filho do capeta nascido em bairro operário (ok, capitalismo, você venceu) por discos voadores, homens cobras, ratos gigantes e, horror dos horrores, a loira do banheiro, responsável pela continência urinária de uma geração inteira.
Pavor semelhante só ressurgiu anos mais tarde quando Tetê Espíndola cantou “Escrito nas Estrelas” num festival de MPB. Lembro que dormi com o abajur aceso durante uma semana. Pura precaução.

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