VIVÊNCIA COM VAMPIRO ACABA EM SANGUE
Schneider Carpeggiani
carpeggiani@gmail.com
Enviado especial
CURITIBA – Não é só o Festival de Teatro que tem movimentado Curitiba nestas últimas semanas. Por aqui só se fala no romance Chá das cinco com o Vampiro, em que o escritor Miguel Sanches Neto escancara a amizade que travou com Dalton Trevisan, 84 anos, maior orgulho (e maior recluso) paranaense. A indiscrição do texto é tamanha que o livro está recebendo matérias em todos os jornais e até na histriônica Veja, o que só comprova o quanto tal fofoca é um ótimo passatempo para você passar os olhos na fila do supermercado com um detergente (ou algo que o valha) nas mãos.
Com esse livro, Sanches atravessou a fronteira que, para qualquer bom curitibano, nunca deve ser desrespeitada: Não se meta com o vampiro. Na casa do escritor, cercada por árvores no bairro do Alto da Glória, não se vê curiosos esperando algum flagra. Curiosos, quando existem, são forasteiros, nunca locais. Todo mundo sabe que, quase diariamente, o autor passeia pela cidade, cruza a Boca Maldita (trecho do calçadão da XV onde o povo se reúne para falar da vida alheia), a Universidade Federal e dá uma passada na Livraria do Chain, onde autografa os livros que, vez por outra, algum admirador (admirador forasteiro, claro) deixa lá para ele.
No percurso, ninguém costuma abordá-lo. É como se as pessoas fingissem que aquele ali não é o Dalton. A reportagem do JC deu uma passada na Livraria do Chain para saber do escritor, descobrir que horas ele passeia por lá, essas coisas Revista Caras. Ao abordar um funcionário da loja sobre o assunto, uma cara de poucos amigos como resposta e monossilábicos do quilate de “ele passa por aqui às vezes”. E encerrada a conversa. Tchau! Ao contrário das outras livrarias da cidade, o livro de Sanches não está na vitrine. Melhor confirmação não podia existir: sim, essa é uma filial do Conde Drácula. A solução foi parar em uma outra livraria (nunca naquela, claro) e ler esse roman à clef (termo bonitinho que caracteriza uma novela explicitamente baseada em fatos reais).
A primeira coisa que chamou a atenção foi a capa do romance: brilhante com metade do rosto de um homem oferecendo uma xícara fumegante. Se você não prestar muito atenção, acaba levando para casa na ilusão de que se trata de um volume da saga Crepúsculo. O que seria bem melhor. Nascido no norte no Paraná, Sanches se mudou para Curitiba no começo dos anos 1990, onde passou a perseguir sua grande obsessão literária pelas ruas. Tanto insistiu, tanto se declarou como fã incondicional, que conseguiu se aproximar de um dos maiores enigmas da literatura brasileira. A rixa entre os dois surgiu quando, entre 2004 e 2005, chegou às mãos do Vampiro originais de um romance em que Sanches detalhava pormenores dessa amizade.
A relação foi encerrada imediatamente e Dalton, magoado, escreveu um poema chamando o ex-amigo de “Hiena Papuda”, publicado na imprensa local. O texto é um primor literário, acompanhe alguns versos: “Hiena papuda necrófila/ traveca de araponga louca da meia noite/ mente na vírgula mente no pingo do i mente no bico fechado mente na carta aberta/ chorrilho merdoso de intrigas e falsidades/ caráter sem jaça de escorpião/ filho adotivo espiritual de Caim/ delator premiado informa dedura/ a desonra, ó cagueta, é o teu butim/ fora, traidor do amigo! rua, olheiro maldito!”
Miguel Sanches Neto: "é uma baixaria termos de aturar detalhes da vida sexual do escritor e um sem-fim de autoelogios."
Lançado agora pela Editora Objetiva com o nome de Chá das Cinco com o Vampiro, o estopim desse rompimento só está recebendo qualquer eco por nos revelar alguma coisa sobre Dalton. Infelizmente, Sanches é de uma incompetência infantil como autor. No fim das contas, ele escreveu um livro para falar de sua vida, como se sua vida fosse particularmente interessante, e preencheu aqui e ali com conversas de mesa de bar e caminhadas com Dalton, que não dizem nada. E pior: é uma baixaria termos de aturar detalhes da vida sexual de Sanches e um sem-fim de autoelogios.
Mas, voltando a Dalton. A gente fica sabendo que o Vampiro caminha todos os dias pelo calçadão da XV (dado mais que divulgado), que o Vampiro não bebe Coca-Cola, que o Vampiro não pode ver uma gatinha mais jovem que afia os caninos, que o Vampiro acha que o mundo inteiro quer fotografá-lo e que detesta o barulho dos seus dois vizinhos, uma igreja e uma sauna gay. Informações que não iluminam em coisa alguma uma das obras mais singulares da literatura contemporânea.
E Sanches ainda é ruim para inventar codinomes. Dalton é Geraldo Trentini (tinha outro nome melhor, não?) . Figuras famosas da cena literária curitibana aparecem com iniciais ou com seus nomes em trocadilho, mas facilmente reconhecíveis, em situações embaraçosas. No release do romance para a imprensa, o autor chegou a dizer que os personagens de Chá das Cinco com o Vampiro seriam ficcionais, uma tentativa de sair de fininho que não colou. A polêmica já estava lançada. Ao contrário do que poderia ser, Chá das cinco com o Vampiro não nos aproxima de Dalton (e talvez a distância seja a melhor forma de nos aproximarmos dele) e nem aponta qualquer fôlego literário em Sanches, que, claro, já não mora mais em Curitiba.
Publicado no Jornal do Commercio (Recife - PE) em 28 de março de 2010.
LEIA MAIS:
http://vqv.me/s/3PN
http://vqv.me/s/3PB
1 comentários:
Marcus,
Chá das Cinco é subliteratura de hiena-papuda. E escrita por um chopim morfético.
Parabéns pelo artigo.
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