A GAZETA DO POVO NÃO TEM KHURY?
Meus seis leitores no twitter (isso se algum não deu unfollow) e no blogo insinuam, vez por outra, que a Gazeta do Povo não toca no nome do primeiro-secretário da Assembleia Legislativa do Paraná, Alexandre Curi (PMDB), porque ele seria neto do poderosíssimo Anibal Khury. Dizem que Curi guardaria um dossiê apontando ligações estreitas do jornal com o ex-presidente da Casa, falecido em 1999. Pura teoria da conspiração.
Há certa incredulidade de setores da imprensa com o escândalo dos "Diários Secretos", produto de uma longa apuração. Eu considero a série um excelente trabalho de reportagem, digna dos melhores diários do país. Mas os descrentes vêem de outra maneira. Citam a omissão do nome de Orlando Pessuti e a relacionam com as 44 páginas do balanço da Copel publicadas no jornal logo que o vice assumiu a vaga de Requião. Também vêem nesse fato comercial o silêncio Gazeta com relação a menina de sete anos que teria sido nomeada em 1994, quando Pessuti era o presidente da Casa. Outra tergiversação. Não creio que a Gazeta do Povo tenha deixado de lado este fato.
Por outro lado, circulam também rumores dando conta de que a Gazeta estaria a serviço do ministro Paulo Bernardo (Planejamento) e que ele seria o principal encarregado de amealhar anúncios do governo federal nos tempos de "vacas magras" do jornal. Por isso teria poderes extraordinários nas decisões de pauta. Absurdo.
Para alimentar a curiosidade dos conspiradores de botequim, no entanto, conto o que vi e ouvi em 1999, quando trabalhava no jornal e fui testemunha ocular e auricular das decisões. Eram outros tempos, diga-se. A Gazeta era ostensivamente omissa e conivente. Mudou por questões de sobrevivência editorial.
Basta dizer que no episódio em que o ex-secretário de Segurança Pública do governo Lerner, Cândido Martins de Oliveira, atropelou um motociclista e foi flagrado bêbado pela polícia, a Gazeta preferiu registrar a notícia de modo torto e sem nomear o ex-secretário. A alegação do então diretor de redação, já falecido, foi a de que se tratava de homem público, que tinha família e um nome a zelar (eu diria zerar).
Em agosto de 99, quando Anibal Khury ficou doente, houve uma ordem expressa da diretoria para que não se publicasse nenhuma nota a respeito. Enquanto os outros jornais se esbaldavam e a Folha do Paraná, principal concorrente da Gazeta à época, escalava Leandro Donatti para dar plantão na porta do hospital, a editoria de política do jornal silenciava.
A Folha do Paraná preparou um obituário. A Gazeta manteve-se inerte. A Folha do Paraná relatou diariamente o estado de saúde do deputado, incluindo os boletins médicos. A Gazeta omitiu-se. Em 30 de agosto daquele ano, quando, enfim, o todo-poderoso da Assembleia morreu, armou-se um pandemônio na redação. Khury era baixo, calvo, gordo e costumava dormir solenemente durante as sessões, cruzando as mãos sobre a barriga e baixando a cabeça. No gabinete era sempre expansivo. Dava ordens, fazia piadas com os jornalistas e, comenta-se acidamente, costumava fazer do espaço também uma alcova de desejos inconfessáveis.
Há um episódio burlesco. Certa feita, ao avistar um guardinha da Diretran multando carros da Assembleia, deu-lhe voz de prisão e mandou que seguranças da Casa o levassem para a delegacia. O guardinha, por sinal, transformou-se em jornalista, virou assessor de políticos do PT e hoje trabalha na Comunicação da Universidade Federal do Paraná. Seu nome: Fernando César de Oliveira.
Mas doutor, divago. A morte de Khury mobilizou toda a redação da Gazeta. Lembro que o acontecimento fez com que os filhos de Francisco, Ana Amélia e Guilherme Cunha Pereira, hoje apelidados jocosamente de Sandy e Junior (epíteto que eles conhecem e tratam com humor) descessem e se encarregassem de fazer do primeiro caderno do jornal uma honrosa homenagem ao falecido.
Colheram-se declarações, frases, fotos e um jornalista mais experimentado encarregou-se de fazer-lhe o obituário. Os editoriais do jornal, também, foram exclusivamente destinados a enaltecer os feitos do deputado, que fora cassado no regime militar, tal como o governador Haroldo Peres, por motivos que não estavam relacionadas à ditadura, mas a certos procedimentos envolvendo grilagem de terras no interior do Paraná. Em "Cobras Criadas" livro de Luiz Maklouf Carvalho, que conta a história do jornalista David Nasser, há um extenso relato sobre as relações do repórter com políticos do estado.
O resultado foram cerca de 24 páginas de material colhido nos arquivos empoeirados da Gazeta (sim, era tudo papel), acrescido de declarações de autoridades de toda ordem e de artigos de analistas políticos. O velório e o cortejo fúnebre também foram destacados, sempre naquele tom de "temor reverencial" que caracterizava o jornal à época.
Bom, lá se foram 11 anos e creio que houve uma transformação radical da Gazeta do Povo. Se foi para melhor, não posso dizer. A série "Diários Secretos" não deixa dúvida, no entanto, que o jornal deu o primeiro passo para ganhar credibilidade junto à população paranaense. Se essa linha editorial vai mudar, nos próximos meses, à custa de acordos publicitários com o governo, não sou eu quem vai dizer. Convenhamos, a internet tornou o trabalho de maquiar a notícia e ludibriar o leitor bem mais difícil. Praticamente é uma missão impossível. Torço para que a Gazeta do Povo, com seu novo conceito editorial, adquira força para atrair uma fatia de publicidade que não está umbilicalmente ligada aos cofres públicos. Só o anunciante garante a independência de um jornal. O resto é armazém de secos e molhados.
2 comentários:
Querido blogueiro... Alexandre é sim neto de Anibal. Aníbal inclusive já utilizou o mesmo sobrenome inúmeras vezes em razão da Cabala (o qual era muito fã), pena que não fez uma pesquisa melhor... Quem não lembra da região do Hugo Lange com muros e mais muros pintados numa eleição com K e em outra com C...
Caro, eu não afirmei diferente. Sei que Alexandre Curi é neto do velho Khury. O que escrevi se restringiu ao que vivi nos tempos de Gazeta. Foi a minha contribuição. Mas fique à vontade para relembrar outros episódios. Eu os publicarei, desde que fundamentados.
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