segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

MENGELE, NAZISTAS E O ‘ANUS MUNDI’

Shirley Ramos, simpática maringaense fãzoca de Requião (ninguém é perfeito) reclama do meu sumiço no período natalino Explico: antes mesmo de retomar o blogo já havia assumido compromisso praiano com a família e o filho pequeno de ver cocozão boiar. Salguei ali e aqui as partes e nos intervalos li o que pude. Romances policiais de Ross Macdonald – "O Inimigo Imediato" e a "A Tragédia Blackwell" (ambos disponíveis nos melhores sebos da cidade) – e um estudo sobre Josef Mengele, de Gerald Astor, reeditado pela Planeta.

De Mengele há pouca novidade, a não ser o fato de ter passado incólume pelos caçadores de nazistas durante os 30 anos que esteve na América do Sul – 19 no Brasil. O médico nazista morreu afogado em Bertioga, no litoral de São Paulo, em 7 de fevereiro de 1979. Sua morte, no entanto, só foi confirmada em 1985, após a exumação do cadáver enterrado no município de Embú das Artes com o nome de Wolgang Gerhard. No Brasil, ele era conhecido como o "Seu Pedro".

Há quem sustente, baseado no comentário corrente à época, que Mengele contou com a proteção de uma poderosa organização nazista – a ficcional Odessa, por exemplo. Balela. O médico nazista chegou à América do Sul, com certa facilidade, através da Itália, usando o pseudônimo Helmut Gregor. Na Argentina, onde desembarcaram milhares de alemães, chegou a tirar o passaporte em seu próprio nome.

Seguiu depois para o vizinho Paraguai, onde se naturalizou e permaneceu sob a proteção do ditador Alfredo Stroessner, que até outro dia gozava da hospitalidade brasileira e mantinha uma casa de veraneio em Guaratuba, no litoral do Paraná. Foi Stroessner quem, diante do pedido de extradição de Mengele feito pela Alemanha Ocidental, cunhou a frase: "Uma vez paraguaio, sempre paraguaio".

Mengele rumou para o Brasil no início da década de 1960. Viveu em cidades próximas à capital paulista, ajudado por um casal de húngaros e, depois, por um casal de austríacos – os Bossert. Na década de 70 mandou construir uma casa de cinco cômodos no município de Eldorado, onde recebeu a visita do filho, Rolf Mengele, que chegou ao Brasil utilizando seu nome verdadeiro sem despertar a menor desconfiança das autoridades. O hoje senador Romeu Tuma era então o superintendente da Polícia Federal. É a nossa pátria-mãe gentil.

Em 1991, um exame de DNA confirmou que a ossada era realmente de Mengele. Mesmo ano em que Klaus Barbie morreu em uma prisão da França, vítima de câncer, depois de preso no ínicio da década de 1980 e condenado à pena perpétua. Até ser preso, Barbie, o "Carniceiro de Lyon", responsável pelo assassinato de milhares de judeus e membros da resistência francesa, passara 32 anos na Bolívia, onde apresentava-se divertidamente como Klaus Altmann. Dois anos depois da guerra, fora cooptado pelas agências de inteligência norte-americana. Pelos serviços, ganhou passaporte e salvo-conduto para La Paz, onde se estabeleceu como empresário. O alemão tripudiava de sua condição de fugitivo nazista, tanto que, em 1974, deu entrevista para um correspondente de "O Estado de S. Paulo" e afirmou que repetiria seus atos mil vezes mais.

Por alguma razão insondável, Geraldo Astor, que faleceu em 2007, deixou de lado ou tratou à margem, o depoimento de Rudolf Hoess (não confundir com Rudolf Hess), o comandante do campo de concentração de Auschwitz ao Tribunal de Nuremberg, em que ele descreve em minúcias as técnicas de extermínio em massa de judeus e as maravilhas do Zyklon B, o cianureto gasoso utilizado nos "chuveiros". Diz também que visitara o campo de Treblinka e reprovara o uso da força para levar os judeus às câmaras da morte.

Em Auschwitz, jactava-se, os prisioneiros eram recebidos com músicas tocadas por uma orquestra e persuadidos a acreditar que se dirigiam a um banho de descontaminação, onde depois receberiam roupas limpas e seguiriam para o trabalho (os homens saudáveis) ou para as vilas de convivência (mulheres, crianças e idosos). Sobre os crematórios que trabalhavam 24 horas por dia, Hoess descreve com frieza impressionante a técnica para eliminar os corpos, além de discorrer sobre a capacidade máxima de cada forno. Só faltou dizer que Hitler só queimava os judeus porque descobriu que eles eram inflamáveis.

A "banalidade do mal", contudo, não está na descrição medonha da rotina da morte em Auschwitz – há um trecho nauseante em que centenas de judeus são jogados e enterrados em uma vala comum e os gases da carne putrefacta fazem erguer a terra em cerca de três metros – mas em um diário deixado por um certo doutor Hans Hermann Kremer, antecessor de Mengele em Auschwitz, em cujas páginas ele anotou suas atividades:

"Cenas horrorosas com três mulheres que nos suplicaram por suas vidas" (...) "No almoço não serviram vinho do Porto; para jantar, carpa ao forno". "Esta tarde presente em uma ação especial no campo de concentração feminino. O mais horrível de todos os horrores. O capitão Tilo, médico das tropas, tinha razão quando me disse, esta manhã, que estamos no anus mundi".

Por anus mundi entenda aquilo mesmo.



2 comentários:

Shirley MacRamos 2 de janeiro de 2009 às 03:41  

O que marca seu estilo é justamente esses repentes imprevisíveis e inoportunos.
Na véspera de Revellion enquanto todos colunistas publicam postagens quase copiadas e coladas de "Happy New Year" vem voce falar de Mengele?
O ano já começou em meio a pleno ataques israelenses. Isso só já parece mau presságio, e voce vem falar de Hitler?
Mas já que é pra falar as verdades, vou dizer:
Essa de Mengele morrer no litoral e ainda logo após ter ido ao ar uma reportagem que havia citado até o endereço da fazenda dele, é estranho...
Tão estranho quanto Hitler e a esposa terem morrido queimados abraçadinhos (logo após terem se casado legalmente) e não deixarem nem as cinzas...
Pra que se casaram se iriam morrer?
Será que Hitler achava que o unico pecado dele era viver amasiado e queria tirar passaporte para o Ceu?
Ou seria tambem para o Brasil?

Anônimo 6 de janeiro de 2009 às 12:35  

Marcus, li este livro do Mengele, esperava mais...
Sugiro outra leitura a respeito da II Guerra: "Crônica de uma Guerra Secreta", de Sérgio Correa da Costa, Embaixador do Brasil na Argentina durante a II Guerra...
Sugiro também ler o livro do LArry Rother - aquele que o Lula mandou expulsar do país...
Abraços, e parabéns pelo blog.

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