O DIA EM QUE WALTER CARLOS VIROU WENDY
Stanley Kubrick sabia: sem Malcolm McDowell seria impossível rodar "Laranja Mecânica"
Pimba! Com muito jeito, algum cafuné e a promessa de algo mais em hora apropriada, consegui fazer com que a meretriz da escola, naquele tempo elas ainda não eram chamadas de biscates, me cedesse duas carteirinhas estudantis em branco, apenas com o carimbo da diretora. Era nossa porta de entrada para os filmes destinados apenas aos maiores de 18 anos. Ou seja um mundão de bundas, mamilos em profusão e pelos púbicos que nos faziam descrer do desmatamento da Floresta Amazônica. Eis um motivo, aliás, pelo qual sempre odiei as ecologistas, incluindo o fato de que cultivavam pelos aonde não deviam. No sovaco, por exemplo. Ah, Baby Consuelo. Ah, Maria Bethânia (ou seria Caetano Veloso?).
Naquele tempo, em Campinas, havia cinco ou seis cinemas na cidade e frequentávamos todos, religiosamente, de segunda a sexta-feira. Eu era a pena mais rápida de Barão Geraldo, o distrito da cidade onde estudávamos, e por causa disso tornei-me uma lenda, pronto a compor redações em 15 minutos a preços módicos, com estilos e temas diferentes para que a professora de Português – Mariinha, se a memória não me assalta – não conseguisse perceber que todas haviam saído do Pena de Ouro. Assim, juntávamos o dinheiro para o cinema.
A solenidade do Hino Nacional, àquela altura semanal já que havíamos nos livrado das fitas verde-amarelinhas na lapela, da ordem unida, da continência e das marchas forçadas até a sala de aula, era um capítulo à parte. Nós, mancebos do colegial, sonhando com as calcinhas das meninas e os odores que delas emanavam dávamos uma banana ao Virundu. Mas tínhamos que nos render ao esforço da professora de música, que esticava os quatro dedos e nos ensinava os tempos da pauta musical – lá lá – divididas em semicolcheias (ou qualquer coisa assim).
Da escola escapávamos para o cinema a bordo do Opala quatro portas da professora de Educação Moral e Clítoris ou seria Organização Social e Política Rameira? Ela nos deliciava com aquele bundão avantajado, mas proibia-nos de acompanhá-la no banco do carona por causa de um certo namorado que a andava vigiando. Nas nossas andanças pelo bairro Emílio Garrastazu Médici costumávamos lucubrar – a palavra ainda não estava em nosso vocabulário recheado de baixo calão – sobre as partes de baixo de sua roupa e o modo como ela se entregava ao seu namorado, talvez naquele Opala, sempre com panos esquisitos amarfanhados em um canto.
Por ela, eu dizia, sempre exagerando, poderíamos muito bem sofrer um acidente e, quem sabe, passarmos dias e dias em uma enfermaria vendo sua pernas brancas e xeretando suas partes pudendas. Pois não é que o acidente aconteceu mesmo, quando ela parava, certo dia, no acostamento, Um Maverick desgovernado, levando a bordo um capitão linha-dura da aeronáutica bateu na traseira do Opala e foi parar no canteiro da estrada. Soube, tempos depois, que o militar havia sofrido um mal súbito. Restara a viúva, a filha pequena (que também estavam no carro) e o soldo, que não era desprezível, afinal, morto, o capitão fora promovido a tenente-coronel.
Alex dá de cara com a Baboochka e suas esquisitices fálicas.
Mas aquele era o grande dia. A professora nos deixou no centro da cidade, às 13h45, e corremos para o Cine Windsor a tempo de comprar os ingressos, as balas de Mentex e corrermos para a pequena fila que se formara na frente da catraca, onde assistiríamos a primeira sessão na cidade, quiçá no país, de "A Laranja Mecânica".
O filme já havia causado polêmica na Europa quando lançado em 1971. Nos EUA, recebera a indicação X-Rated, o que significava pornô, mas nós estávamos em 1978 e pouco nos apoquentava a ficha corrida do filme e quem era, afinal, Stanley Kubrick (o diretor) ou Anthony Burguess (o autor do livro). Só nos interessava o que poderíamos ver de sexo propriamente dito. E ficamos maravilhados. A música era clássica, mas sintetizada e os rapazes da gangue bebiam o "moloko". Abastecidos, passavam ao horrorshow, o que significava ultraviolência e sexo selvagem.
A primeira cena que nos fascinou foi a do confronto de gangues em um velho teatro de Londres. Lá estavam eles tentando estuporar uma devotchka. A censura, preocupada em esconder os pelos púbicos do público inocente, os cobrira com pontos pretos fotograma por fotograma. Imagine o trabalho dessa gente nomeada para mostrar o seu valor. O que provocava risada no cinema é que, nem sempre as bolinhas acertavam no ponto e aí podíamos nos deliciar com aquilo que haviam nos escondido por tanto tempo.
O mesmo se repetia na cena de invasão da casa do escritor, naquela mesma noite, em que Alex (Malcolm McDowell em trabalho impecável que, de certa maneira, o estigmatizaria) cantarolava "Singing ´n the Rain" enquanto chutava o escritor e dilacerava as roupas de sua esposa. Diga-se que estávamos nos anos 70 e Andy Warhol e sua Pop Art pareciam transpirar das paredes como uma lata de Sopa Campbell´s.
Na noite seguinte, devidamente resguardados de um ataque a seus Yarbles – que na linguagem Nadsat de Burguess significam testículos – Alex e sua gangue de novo tomaram a casa de uma Baboochka dispostos a fazer um Lubbilubbing despretensioso. A mulher era esquelética, mas de uma agilidade digna de uma contorcionista. Diria até que cultivava pelos aonde não devia. Por exemplo, no sovaco. Ah, Baby Consuelo. Ah, Caetano Veloso (ou será Maria Bethânia?).
O mais surpreendente era que ela também colecionava pop art e era bem mais saidinha. Havias pênis em profusão por todos os lados e de vários tamanhos. O que mais fascinou o Malchick era enorme e movimentava-se comicamente como uma gangorra. Foi com ele, aliás, que Alex, literalmente, estocou a Baboochka seguidas vezes. O resto é história.
Lembro que saímos do cinema em estado de letargia. Alguém mencionou a palavra "catarse" mas eu nem sabia o que era isso. Maravilhado com a trilha do filme corri os sebos de Campinas para comprar o LP e acabei encontrando-o em péssimo estado – provavelmente por culpa da ditadura (de quem mais?) –, mas que ainda assim era suficientemente audível para que relembrássemos o filme cena por cena.
Wendy Carlos (ex-Walter) depois de perder o pepino di capri em uma cirurgia em Marrocos: o nome técnico era "redesignação sexual".
Um ano depois, Walter Carlos surgiu em uma entrevista para a revista "Playboy" transmutado em Wendy Carlos. Ela havia passado por uma cirurgia – provavelmente em Marrocos – de redesignação sexual, o que significava que cortara o pepino di capri e o redesenhara em uma pororoca (ou seja lá o nome que se dá aqui na taba).
Walter-Wendy submeteu-se à operação em 1972, um ano depois de concluir as filmagens de "Laranja Mecânica", mas só revelou-se ao mundo em 1979. Arrependeu-se e creio, cá com meus botões, que foi coisa da ditadura, já naquele tempo comandada por um tal de João Batptista Figueiredo, que preferia cheiro de cavalo a cheiro de povo (o que não diria de uma bicha transformista?).
Ficou a música eletrônica de Wendy (justo Wendy?) na abertura de "Laranja Mecânica, quando a gangue de Alex é apresentada na leiteria e nas geniais intervenções da Nona Sinfonia de Beethoven arranjadas para os sintetizadores moog.
Wendy hoje é septuagenária e continua compondo para filmes e documentários. Mas não se arrisca. Teme que lhe amordacem e a joguem no camburão rumo ao Brasil. Eu sei, vocês sabem, eles sabem. A ditadura nunca dorme. E é capaz de devolver-lhe o pênis. Por que meios, ninguém sabe.
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